Comarca de Porto Alegre
2ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central
Rua Manoelito de
Ornellas, 50
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Processo nº:
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001/1.12.0182927-6
(CNJ:.0248907-43.2012.8.21.0001)
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Natureza:
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Ordinária -
Outros
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Autor:
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Centro dos
Professores do RS- CPERS
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Réu:
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Estado do Rio
Grande do Sul
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Juiz Prolator:
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Juíza de
Direito - Dra. Carmen Carolina Cabral Caminha
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Data:
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21/07/2014
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Trata-se de ação
ordinária proposta pelo CENTRO DOS PROFESSORES DO RIO GRANDE DO SUL (CEPERS) em
desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL na qual objetivava, na condição de
substituto processual, provimento judicial determinando a disponibilidade de
1/3 da jornada para preparação de aula, conforme previsto na Lei Federal nº
11.738/2008. Em sede de tutela antecipada, pediu fosse aplicada a Lei Federal
nº 11.738/2008, bem como a legislação inerente ao caso com o cômputo da hora em
60 minutos, considerando-se 50 minutos de hora/aula e os 10 minutos onde
permanecia a interação do docente com o aluno, devendo ser mantida a atividade
em 13 períodos de aula. No mérito, rogou pela procedência da ação nos termos
antes expendidos. Juntou documentos.
Citado, o réu
contestou arguindo, em preliminar, ausência de interesse de agir, porque o
autor postulava reserva de 1/3 da jornada de trabalho para atividades
extraclasse, o que já estava sendo cumprido pelo Estado. No mérito, repisou a
preliminar, bem assim como sustentou a inconstitucionalidade do § 4º, do art.
2º, da Lei nº 11.738/2008, por violação da regra constitucional de competência
para regulamentação da matéria, atentando contra o princípio da autonomia dos
entes federados, o pacto federativo e o princípio da especialização das
funções, vez que a competência extraordinária da União não alcançaria a jornada
de trabalho, mas apenas a fixação do piso salarial. Alegou, ainda, que a
matéria não configurava diretriz educacional, determinando limitação específica
totalmente desproporcional em termos de ônus financeiros aos estados membros,
constituindo excesso legislativo. Argumentou que na decisão proferida pelo STF
por ocasião do julgamento da ADI nº 4.167, quanto ao dispositivo em comento,
houve empate, motivo pelo qual o Supremo culminou por deliberar sem eficácia erga
omnes e vinculante, de modo que se encontrava aberta a discussão judicial e
o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma invocada. Disse que o
Decreto Estadual nº 49.448/2012 regulamentava os artigos 116 a 119 da Lei
Estadual nº 6.672/1974, detalhando o regime de trabalho do profissional do
magistério com cômputo de horas-atividade.
Ofertada réplica,
o Ministério Público ofertou parecer final opinando pela improcedência da ação,
em face da inconstitucionalidade da norma posta no § 4º, do art. 2º, da Lei
nº11.739/2008, a ser declarada em controle difuso.
O réu foi instado
a manifestar-se acerca de documentos juntados pelo autor.
Vieram-me os
autos conclusos.
É O BREVE RELATO.
PASSO A DECIDIR.
A preliminar
arguida em contestação merece ser rejeitada porque o interesse de agir do autor
vem estampado pela utilidade que o provimento jurisdicional representa na
solução do conflito de interesses instaurado pelas partes.
No mérito, o
feito comporta julgamento antecipado, na medida em que a matéria travada nos
autos é unicamente de direito, não havendo necessidade de dilação probatória,
nos termos do que faculta o art. 330, inciso I, do CPC.
E quanto a este,
verifica-se que a matéria é singela e não desafia maiores considerações, máxime
em virtude da recente declaração de inconstitucionalidade da norma inserta no
parágrafo 4º, do art. 2º, da Lei Federal nº 11.738/2008, exarada pelo Órgão
Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa
segue abaixo colacionada.
“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE.
PARÁGRAFO 4º DO ARTIGO 2º DA LEI FEDERAL Nº 11.738/08. CARGA HORÁRIA DOS
PROFISSIONAIS DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DA EDUCAÇÃO BÁSICA. INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL ORGÂNICA E MATERIAL. PACTO FEDERATIVO E IGUALDADE. VIOLAÇÃO.
Insuperável o vício de
inconstitucionalidade da norma federal que estabelece a jornada de trabalho
para os profissionais do magistério público da educação básica, invadindo a
competência dos demais entes federados, em clara extrapolação ao que lhe
cometera o disposto no Artigo 60, inciso III, alínea “e” do ADCT – que se
restringe à fixação de um piso nacional para a categoria. Inconstitucionalidade
formal orgânica. A Lei 11.378/08 é de caráter nacional, não se resumindo ao
âmbito da União. Violação ao Pacto Federativo. A Carta Maior consagra na figura
do Presidente da República a iniciativa legislativa privativa para as leis que
disponham sobre “servidores públicos da União e Territórios, seu regime
jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”, ex vi do artigo
61, § 1º, inciso II, alínea “c”. A redação é de observância obrigatória pelos
Estados-membros, já que Princípio Constitucional Extensível (simetria) que
integra a estrutura da federação, observada, portanto, também pelos Municípios.
Precedentes do STF.
Ao dispor sobre jornada de trabalho
dos profissionais do magistério público da educação básica em nível nacional,
não apenas o legislador federal extrapolou os limites estabelecidos pela Constituição
Federal, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – no artigo 60,
inciso III, alínea “e”, como, comprometendo o pacto federativo, adentrou na
competência dos demais entes federados para estabelecerem a própria legislação
a respeito do regime jurídico dos seus servidores públicos.
Inconstitucionalidade material: viola
o princípio da isonomia a Lei que trata de forma igual situações absolutamente
desiguais, como são as diferentes realidades vivenciadas pelas mais
diversificadas comunidades ao longo do território nacional.
INCIDENTE JULGADO PROCEDENTE PARA
DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 4º DO ARTIGO 2º DA LEI 11.738/2008, POR
MAIORIA.” (Arguição de Inconstitucionalidade, nº 70059092486, rel. Des. Marcelo
Bandeira Pereira, Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
do Sul, j. 26/05/2014).
É de bom alvitre
lembrar que se mostra possível ao julgador, na via do controle incidental,
analisar a inconstitucionalidade de norma, motivo pelo qual passo ao exame do
mérito da matéria ora sub judice.
A Constituição
Federal, no Título X, quando trata do “Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias”, dispõe em seu artigo 60, inciso III, alínea “e” que:
“Art. 60. Até o 14º (décimo quarto)
ano a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios destinarão parte dos recursos a que se refere o caput
do art. 212 da Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento da educação
básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação, respeitadas as
seguintes disposições:
III - observadas as garantias
estabelecidas nos incisos I, II, III e IV do caput do art. 208 da Constituição
Federal e as metas de universalização da educação básica estabelecidas no Plano
Nacional de Educação, a lei disporá sobre:
e) prazo para fixar, em lei
específica, piso salarial profissional nacional para os profissionais do
magistério público da educação básica;
De seu turno, a
Lei 11.738/08, regulamentando o texto constitucional, estabeleceu que:
“Art. 2º O piso salarial profissional
nacional para os profissionais do magistério público da educação básica será de
R$ 950,00 (novecentos e cinquenta reais) mensais, para a formação em nível
médio, na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.”
Como bem ponderou
o nobre Desembargador relator da Arguição de Inconstitucionalidade antes
ementada, “além de fixar o piso salarial nacional para os profissionais do
magistério público da educação básica, a comentada Lei, no parágrafo 4º do
artigo em comento, tratou da jornada de trabalho da categoria, estabelecendo:
§ 4º Na
composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois
terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os
educandos”
Ora, resta
evidente que o legislador federal dispôs mais do que estava legitimado pelo
constituinte.
Como bem advertiu
o Desembargador Marcelo Bandeira Pereira, por ocasião de seu voto na Arguição
de Inconstitucionalidade já referida, não se pode perder de vista “... que a
Lei 11.738/08, regulamentando dispositivo de ordem constitucional, é norma de
caráter nacional, não se resumindo aos meandros da União, enquanto ente
federado. Nessa toada, dita regulamentação, que parece absolutamente apropriada
para aquela esfera federativa, não poderia ter sido prevista para os
Estados-membros e Municípios, seja por violação das competências
constitucionalmente distribuídas entre os entes federados, seja pela flagrante
desproporcionalidade entre as realidades de todas as comunidades atingidas pelo
texto...”
Calha lembrar que
o sistema de repartição de competências no Brasil caracteriza-se por modelo
estruturado no princípio da predominância do interesse, como bem apontou a
nobre agente ministerial: a) à União cabe cuidar de matérias de interesse
geral, nacional e amplo; b) aos Estados, das matérias de âmbito regional e de
abrangência limitada e c) aos Municípios, dos assuntos de interesse local.
A assertiva supra
leva à inevitável conclusão de que a Carta Política do Brasil assegura aos
diferentes entes federados competências que lhe são próprias e indispensáveis à
manutenção de suas autonomias.
Assim, se o
Presidente da República detém iniciativa legislativa privativa para leis que
disponham sobre “servidores públicos da União e Territórios, seu regime
jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria” (art. 61, § 1º,
inciso II, alínea “c), é lógico que, malgrado a redação da norma esteja
adstrita ao plano federal, pelo Princípio da Simetria, o Governador do Estado
também deterá, consoante norma do art. 60, inciso II, “b”, “iniciativa
privativa para leis que disponham sobre servidores públicos do Estado, seu
regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria...”. Tal
lógica, no mesmo diapasão, também se aplica aos Municípios.
E, nessa linha de
raciocínio, mais uma vez ressaltando o que já disse o eminente relator da
Arguição de Inconstitucionalidade anteriormente referida, “...ao dispor
sobre jornada de trabalho dos profissionais do magistério público da educação
básica em nível nacional, não apenas o legislador federal extrapolou os limites
estabelecidos pela Constituição Federal no Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias – no artigo 60, inciso III, alínea “e”, como, comprometendo o
pacto federativo, adentrou na competência dos demais entes federados para
estabelecerem a própria legislação a respeito do regime jurídico dos seus
servidores públicos...”
Em seu judicioso
voto, o eminente Desembargador traz à baila excerto do voto proferido pelo
Ministro Cezar Peluso a respeito do tema, quando do julgamento da ADI 4.167, o
qual vai aqui reproduzido, por oportuno:
“E profiro meu voto, brevemente,
julgando procedente a ação em relação ao § 4º do artigo 2º, porque, a situação
é diversa do que se dá em relação ao piso salarial previsto no artigo 206,
inciso VIII, da Constituição da República, combinado com o artigo 60, III, C,
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e que abre, textualmente,
uma exceção à autonomia dos Estados para a previsão desse limite mínimo de
remuneração.
No caso, como se trata de jornada de
trabalho, que é matéria típica do regime jurídico dos servidores, não encontra
nenhuma norma constitucional que ampare a edição da norma impugnada, que a meu
ver, com o devido respeito dos votos em contrário, está em absoluta e franca
dessintonia com a autonomia reservada aos Estados, que devem levar em
consideração, na composição da jornada de trabalho, as particularidades
locais.”
Assim, tem-se, na
linha do que decidiu o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, pela inconstitucionalidade do parágrafo 4º, do art. 2º, da Lei
nº 11.738/2008, porque desborda da competência para a edição de norma geral,
nos termos do art. 24, § 1º, da CF/88, ofendendo o Princípio Federativo
enunciado no art. 1º, “caput”, da Carta Constitucional de 1988.
A competência
para a edição de norma geral estabelecendo um piso nacional de remuneração para
o magistério encontra-se expressamente outorgada pelo art. 206, inciso VIII, da
CF/88. Porém, em relação à jornada de trabalho, matéria objeto desta demanda, o
texto constitucional não proporcionou a abertura que o autor desta ação
pretendia, ao excepcionar a competência ordinária dos entes federativos para
dispor sobre a organização dos respectivos serviços públicos, ex vi do
disposto no art. 60, inciso II, da Constituição Estadual.
Diante dos
contornos estabelecidos na fundamentação desta sentença, a improcedência da
presente ação ordinária, com a declaração de inconstitucionalidade da norma
inserta no parágrafo 4º, do art. 2º, da Lei nº 11.738/2008, é medida que se
impõe.
ANTE O EXPOSTO,
julgo improcedente a ação ordinária ajuizada por CENTRO DOS PROFESSORES DO RIO GRANDE DO SUL
(CEPERS) em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL para declarar a
inconstitucionalidade da norma inserta no parágrafo 4º, do art. 2º, da Lei nº
11.738/2008.
Sucumbente,
condeno o requerente ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios do
procurador do réu, os quais fixo em R$ 1.000,00 (Hum mil reais), corrigidos
pelo IGP-M desde a data da prolação desta sentença até o efetivo pagamento, o
que faço com base no art. 20, § 4º, do CPC.
Publique-se.
Registre-se.
Porto Alegre, 21
de julho de 2014.
Juíza de Direito